sábado, 24 de maio de 2014

Batalha de Tuiuti - o preço de atacar

A maior batalha terrestre já ocorrida na América do Sul ocorreu em 24 de maio de 1866. Não há como deixar de lado as dimensões e a violência do embate entre Paraguai e Tríplice Aliança, que contou com mais de 50 mil homens entre Paraguaios, Uruguaios, Argentinos e Brasileiros, além de numerosos estrangeiros contratados pelos exércitos de ambos os lados. O foco aqui, no entanto, será o da importância histórica desse momento.
As trincheiras já adiantavam o que seria visto na Primeira Guerra Mundial

Após o desfecho da Batalha Naval do Riachuelo, finalmente a Tríplice Aliança passava a investir contra o Paraguai. Primeiramente, retomaram-se todas as praças perdidas pela Argentina na primeira fase da guerra, para depois se adentrar o território paraguaio. Tomada a fortaleza do Itapiru, as forças aliadas seguiam lentamente pelo terreno pantanoso, sem mapas adequados, apenas com a orientação do Rio Paraguai. Vendo a dificuldade de marcha, Solano Lopez teve a ideia que decidiria a guerra até seu fim. A despeito dos conselhos de sua cúpula, o presidente paraguaio resolveu atacar o acampamento da Tríplice Aliança em Tuiuti com desvantagem numérica.

A surpresa do ataque surtiu efeito, mas não foi esmagadora como se esperava e os aliados tiveram moral elevada o suficiente para organizarem a defesa. O primeiro ataque contra a vanguarda uruguaia efetuou muitas baixas, contra os argentinos na ala direita, a batalha já era dura. A investida contra a ala esquerda, com a massa das forças brasileiras, no entanto, é que decidiu a batalha. Comandados pelo general Mallet, francês, os brasileiros haviam se preparado para uma situação como esta. O fogo da artilharia imperial comandada pelo general Osório causava baixas terríveis enquanto a cavalaria vermelha de caboclos tentava investir. Ao chegar a 50 metros do combate direto, todavia, depararam-se com um fosso cavado as pressas pelos brasileiros e ali ficaram para, em pouco tempo, perderem milhares de cavaleiros.

A decisão do comando paraguaio de atacar num território propício para defesa e em desvantagem numérica foi catastrófica. Apesar do elemento surpresa e do conhecimento do terreno, as baixas não seriam mais substituídas e a vantagem numérica dos aliados seria demasiado obstáculo para a vitória paraguaia que, mesmo assim, ainda resistiria por anos numa guerra defensiva muito onerosa para a Tríplice Aliança. Não fosse essa derrota, talvez a resistência paraguaia não pudesse ter sido sobrepujada pelas forças poderosas, porém cansadas e desgastadas pela estadia alongada em território estrangeiro hostil.

Após Tuiuti, diversas batalhas foram travadas ao longo do rio Paraguai, o que assolou todo o país
A história é feita de decisões e de sortes. A decisão equivocada de Solano Lopez, e não digo apenas a de atacar em Tuiuti, mas a de invadir Brasil e Argentina ao mesmo tempo, levou o seu país a total destruição. Não menos pesada para o país foi a atitude dos vitoriosos de assolar as cidades paraguaias, mas isso é assunto para outra postagem.

Atenciosamente.

A Conquista de Ceuta

Julgada por muitos como erro estratégico português, pelo sorvedouro de recursos na sua manutenção, a conquista de Ceuta é uma fato marcante e, segundo veremos, inevitável na conjuntura histórica que se passava.

D. Henrique toma, supostamente, papel de protagonista na conquista

Vista aérea moderna da cidade em domínio espanhol
Um importante centro comercial do Marrocos no Mediterrâneo, ponto de partida para o corso berbere, pois a proximidade com a Europa tornava praticamente impossível o trânsito de velas sem que fossem percebidas por sentinelas. O estreito de Gibraltar tem apenas 15 quilômetros em sua menor distância. Sua localização geográfica não é apenas estratégica militar e comercialmente, por situar-se no chamado Marrocos Verde, menos árido, possui terras de importância agrária logo em suas vizinhanças.




Explico agora o porquê de acreditar que o empreendimento era simplesmente inevitável para Portugal.
Podemos citar motivos de toda sorte para o acontecimento: Econômicos, Políticos, Religiosos, Estratégicos e Oportunismo.
Muralhas da cidade. Nota para a bandeira de Espanha

Motivos Econômicos
Como dito, a cidade era rica e apresentava estrutura invejável, que incluía até um aqueduto, importantíssimo na região agreste em que se encontra. Havia interesse de concentrar os navios que por lá aportavam no porto de Lisboa, pois essa era a ideia mercantilista da época, da qual não se podia fugir. Esqueceram-se os nossos colonizadores, porém, que os mercantes de lá eram muçulmanos e dificilmente iriam ceder e comercializar em terras cristãs. Simplesmente desviou-se a rota comercial para Tânger, cidade próxima, e Portugal não veria os benefícios que queriam até a dramática conquista de boa parte do Norte do Marrocos, que ainda demoraria 56 anos.

Altamente fortificada, somente ataque surpresa poderia tomá-la

Motivos Políticos
Portugal passava por uma época iluminada em sua corte, mas uma linhagem bastarda estava no poder. Era necessária a demonstração desse valor. Foi, não por coincidência, pela participação nessa batalha, que os príncipes da inclícita geração Duarte, Henrique e Pedro receberam o título de cavaleiros. Além disso, era uma demonstração de poderio perante Castela, que se mostrava inclinada a invadir o Norte da África, como o fez mais adiante. Não obstante, Portugal ganhava pontos com a Cúria, ao combater os mouros numa cruzada ocidental.

Arquitetura belíssima
Religiosos
Principal motivo segundo os documentos da época. Mais que uma cruzada, o motivo religioso era, em grande parte, o que movia a propaganda e a adesão popular à campanha. Ignorantes aos imbricamentos econômicos e políticos, o povo português sabia bem que o inimigo islâmico tinha de ser combatido para o avanço da cristandade. Era uma época de romances de cavalaria, anterior a Cervantes e Dom Quixote, portanto, a imagem do bem contra o mal colava. Por isso podemos inferir que, apesar da documentação, os outros motivos tinham importância, apesar de não terem sido tão focados.

Estratégicos
Dominar a saída para o Atlântico pela África, evitando assim que Castela possuísse as duas Colunas;
Estender os domínios ao Sul e para o Oriente;
Tornar-se império, algo apenas possível no além mar, uma vez que Portugal estava cercado por Castela, superior em terra;
Derrotar os piratas marroquinos para comercializar livremente e alavancar Lisboa, com o fomento da rota marítima entre Mar do Norte e Mar Mediterrâneo.
Por mais que alguns desses objetivos não surtissem o efeito esperado, pelo menos o espírito imperial e a navegação de périplo africano e transoceânica tiveram seu impulso inicial nesse momento, por mais que os documentos da época não ligassem o contorno do Cabo Bojador, ou as expedições atlânticas, por exemplo, com o evento.

Oportunismo
Marrocos entrava em declínio após o ápice do poder com os Merínidas. Tanto é que os portugueses puderam auxiliar a quebra do reino em dois: Marrocos nas mãos dos Merínidas e Fez sob os Oatácidas. Importante salientar, apesar de não ser assunto foco do texto, que somente após essa crise em Marrocos que Portugal conseguiu controlar melhor as praças que ali mantinha.
Outro fator importante era a iniciativa prévia à Castela. Portugal buscou se adiantar, enquanto o reino vizinho ainda cuidava de seus assuntos com os Granadinos, fez campanha no Norte da África, até mesmo para ter opções no caso de conflito com castelhanos.

Breve Relato do Assalto
59 galés, 33 naus e 120 barcos menores, a maioria produzidos com incentivo a indústria naval portuguesa do rei D. João I. Cerca de 20 mil homens de armas entre lusitanos, biscainhos, galegos e ingleses. O primeiro desembarque foi realizado com grande sucesso e as forças portuguesas seguiram para a parte continental da cidade. Nesse caminho encontraram resistência, mas logo puderam seguir para auxiliar as forças do segundo desembarque. Tomaram a Mesquita, que seria convertida em Catedral e cercaram o castelo, para onde os cidadãos haviam fugido. Durante a noite, houve uma fuga dos aldeões para as florestas que cercavam a península. Por diversas vezes, os mouros tentaram agredir a cidade, mas os portugueses conseguiam, com a derrubada de árvores e guarnição munida de cavalaria, expandir a área dominada. Mesmo assim, não seria possível usar o solo fértil para produzir, uma vez que o assédio se mostrava intenso e constante. Daí é que começariam a aparecer os problemas logísticos da campanha.

Sorvedouro de gente e dinheiro, como D. Pedro, irmão de D. Duarte, mesmo disse, porém, inevitável e indispensável para que a história de Portugal seguisse seu rumo de ascensão.

Mais do que marcar o início da expansão portuguesa em império, 22 de agosto de 1415 marca a história pois, desde a invasão dos mouros na Península Ibérica dominada pelos Visigodos, os cristãos da região só faziam recuperar as terras perdidas, numa guerra sangrenta chamada de Reconquista. Ceuta foi a mudança de rumo dessa longa guerra, quando europeus passaram a ser os agressores em terras africanas. O controle do estreito também foi importante experiência de navegação, quando naves de vela menores e mais rápidas começaram a ser usadas.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Revolta das Barcas de 1959 - A verdadeira Revolução

  Ontem, dia 21 de maio, São Paulo foi marcada por uma paralisação dos funcionários do transporte público. Como em geral acontece, a greve acabou sem muitos efeitos além de um grande prejuízo para o trânsito e uma pequena negociação com a classe organizada. Diferentemente, em 22 de maio de 1959, há exatos 55 anos, acontecia o episódio chamado de A Revolta das Barcas, em Niterói, com resultados muito mais drásticos que seriam, provavelmente, aplaudidos por Marx.

  Ainda não existia ponte Rio-Niterói e a passagem dependia de barcas. A concessão do serviço estava, desde 1953, nas mãos da Frota Barreto SA, do grupo Carreteiro, nome da família dos donos da empresa. As greves dos funcionários estavam ocorrendo com certa frequência havia tempos, pois havia grande organização sindical e muitas denúncias de irregularidades da empresa. O grupo pedia incessantemente ajuda do governo por razão de supostos prejuízos, mas o que se via era o enriquecimento pujante da família. Mais, a cada paralisação, o grupo via oportunidade para aumentar tarifas afim de melhorar o salário dos empregados.

reparem como os jornais são tendenciosos.

mais uma vez, a ordem acima de tudo.
  Nesse dia, a paralisação pelo atraso do pagamento dos salários, feita de surpresa, parecia apenas mais uma. As forças armadas foram chamadas para realizar a travessia, mas o serviço era prestado de forma restrita, pois as balsas da marinha eram menores. A população começava a se agitar. Até aí, tudo normal. Durante o empurra-empurra, um militar deu uma coronhada, um passageiro atirou uma pedra na barca, outro militar atirou para o alto e logo o que se via eram barcas da empresa em chamas, assim como a mobília da estação. Poderia ter parado por aí, mas o que se viu foi uma marcha até o escritório da empresa que foi destruído. Poderia ter parado por aí, mas o que se viu foi outra marcha de três quilômetros até a residência da família Carreteiro, que foi devidamente violada. Móveis de luxo destruídos e pessoas vestindo jóias caras como numa festa a fantasia, a fim de ridicularizar a corrupta família. Uma inscrição na parede dizia: Aqui jazem as fortunas do Grupo Carreteiro, acumuladas com o sacrifício do povo.
estação arruinada das barcas

  Resultados da revolta: 6 mortes e mais de 100 feridos; a estatização do serviço!

  Enfim, podemos perceber que uma greve pode trazer soluções para uma classe, mas só quando o povo age é que a revolução acontece. Talvez, se o serviço permanecesse nas mãos de um grupo rico, não haveria até hoje a ponte. Agora, digam, qual é a solução para o transporte público no Brasil? Enquanto isso, deixemos o suado dinheiro nas mãos de empresas que sabemos ser MUITO mais corruptas do que eram os Carreteiro. O transporte aquaviário da Baía de Guanabara foi privatizado novamente no fim da década de 90 e o que se vê é, novamente, preços abusivos e demanda muito maior que a capacidade. A frase de Flávio Almada, superintendente da Barcas SA, em 2008, diz tudo: Ou fica duas horas num ônibus, ou fica (*) uma hora na fila. O que aconteceu com o povo? Por que, hoje, falar em revolução é tabu? Por que usar da força virou vandalismo?

Atenciosamente.