sábado, 2 de março de 2013

O Arsenal de Veneza

Como fossemos colonizados por lusitanos, sentimos esse orgulho histórico pela aventura de navegadores como Bartolomeu Dias e Vasco da Gama que, ao cruzarem o Cabo das Tormentas, trariam a era de ouro portuguesa.
Para o povo de uma cidade específica, Veneza, a realização do Périplo Africano pode ter marcado o fim de um processo que poderia ter levado a uma Revolução Industrial adiantada em alguns séculos e que teria início no Arsenal de Veneza.

Portões Principais no século XVIII, as estruturas Neoclássicas, vindas da Grécia, foram perdidas

O principal estaleiro da República de Veneza tem sua fundação, provavelmente, ainda no século VIII, quando a região estava sob domínio bizantino. Era apenas o início da tradição naval Veneziana. No século XII é que teve início a construção, já com sua independência política, do Arsenal de Veneza, influenciado por técnicas do oriente islâmico, que se prova na origem da palavra arsenal (do árabe, al Sina'a: estaleiro) e pelo profundo contato com o comércio asiático, fator que trouxe o desenvolvimento pujante da pequena república.

Seu pequeno tamanho, desde o início, levava a necessidade da superioridade naval. De difícil invasão por terra, uma grande frota era a proteção que Veneza precisava para transformar-se num império. Com posses no Adriático, de onde trazia produtos como a seda e as especiarias a preços exorbitantes para praticamente toda a Europa Mediterrânea e para o Norte, via Liga Hanseática, a cidade estado reuniu, pela primeira vez na história ocidental, as características necessárias para um cenário de Revolução Industrial.

Veneza e Gênova competiam para levar os produtos orientais para todo o Mediterrâneo e para o Atlântico, de Lisboa a Bruges, onde negociavam com a Liga Hanseática.

Não apenas a bonança econômica traz o desenvolvimento tecnológico, mas a concorrência e a corrida armamentícia entre Veneza e Gênova e, depois, os Otomanos, levaram ao desenvolvimento das técnicas de construção naval avançadas encontradas no Novo Arsenal, como a pré-fabricação da quilha, antes do casco. Inicialmente construído no século XIV, no contexto das guerras entre Gênova e Veneza pela supremacia do comércio mediterrâneo, trouxe, ainda cedo, armas como a bombarda a bordo das naves de Veneza, além de permitir a fabricação de alguns dos maiores navios da época. Seu poderio superior seria provado, pela primeira vez, na Batalha de Chioggia, em 1380, onde derrotaram definitivamente os genoveses. Tinha início a era de ouro do monopólio veneziano.

Veneza, com suas vias hídricas, só precisava da força naval para se tornar quase impenetrável.

No século XV, porém, uma nova ameaça surgiu vinda do Bósforo: os Turcos Otomanos. Com muita gordura para queimar, Veneza pôde financiar a construção do Novíssimo Arsenal. O sistema de linha de produção tornaria possível a entrega de navios DIARIAMENTE. Os milhares de funcionários do Arsenal (mais de 16000) eram responsáveis não só pela produção naval em massa, mas pela fabricação de armas e, ainda mesmo, de tijolos. Nas grandes instalações de Arsenal seriam desenvolvidas as fortalezas flutuantes conhecidas como Galeaças, além dos Galeões que dominariam os mares além das Colunas de Hércules (estreito de Gibraltar).
Em 1571, Veneza teria papel crucial na vitória na Batalha de Lepanto, que seria a virada no conflito contra os Otomanos. A República poderia, finalmente, voltar ao seu sistema de comércio com o Oriente, não fossem os portugueses terem aberto concorrência em 1488. A compra de produtos das Índias e da China realizadas no Mediterrâneo dependia de grandes quantidades de intermediários, tendo desvantagem acentuada com o comércio direto dos lusitanos, que possuíam entrepostos em todo o percurso e até mesmo no Japão. O comércio via Panamá e Manila dos Espanhóis seria mais um duro golpe.

Napoleão Bonaparte viria a conquistar a cidade que, desde então, nunca mais recuperaria sua autonomia. Passada para Áustria e, depois, para a Itália.
 Um complexo industrial daquele porte só se veria novamente na Inglaterra Industrializada do século XVIII, inclusive, a cidade atrairia milhares de visitantes ingleses durante o auge do poderio britânico, curiosos para aprender o sistema de produção que os inspiraria em sua versão de Revolução Industrial. E, como a história é contada pelos vitoriosos, todos nós sabemos que a Inglaterra foi quem criou a Divisão do Trabalho e a Revolução Industrial, etc... tsc tsc. Como se um processo tão complexo fosse possível de ser realizado do zero, em poucos anos, por um "povo superior".


Atenciosamente.