sábado, 26 de janeiro de 2013

Preste João das Índias

Estudar a lenda do grandioso rei cristão do Oriente é conhecer o estado psicológico dos europeus durante a Idade Média. O surgimento de lendas necessitava apenas de um estopim. O boca a boca dava conta do resto.

Origem
Um bispo Armênio (ou turco) trouxe ao papa Eugênio III, juntamente com o aviso da queda de Edessa, a notícia de que um rei católico da Ásia teria derrotado muçulmanos e vinha em cruzada para a Terra Santa, mas teve que voltar da investida por motivo de peste que se alastrava na companhia. Dizia, porém, que ele regressaria para ajudar a manter as posses cristãs na Palestina.
Foram, sim, encontrados outros relatos sobre a derrota desse exército islâmico de Seljúcidas na Ásia, mas quem os dominou foi uma força mongol. Talvez esse exército estivesse permeado de cristãos Nestorianos (Segmento da cristandade independente da igreja bizantina e da apostólica romana, surgido em Alexandria que floresceu na Ásia, alcançando até a China da dinastia Tang).
Mesmo sendo meia verdade, a visita bastou para reacalentar o ânimo da guerra santa. Eugênio III clamou por uma nova cruzada e o espalhamento da notícia fez surgir a lenda.

Expansão
Nas décadas seguintes, cartas forjadas chegaram às mãos dos grandes reis da Europa e do Papa (para mim, não passavam de trotes medievais), cada uma com dados mais exagerados sobre a grandeza do império do Preste João. Um exército de mais de um milhão de homens, 72 reinos vassalos, ouro e pedras preciosas como ninguém jamais havia visto e, é claro, a fonte da juventude. O próprio presbítero teria mais de 500 anos, com aparência de 32.
Afinal, os europeus precisavam disso para manter a fé na igreja cristã. Era necessário acreditar na vitória, senão teria sido mais fácil para os povos o subjugo e a conversão ao islamismo. No meu ver, em verdade, as lendas de criaturas e jardins do Éden são naturais da mentalidade humana. Uma tribo de caçadores coletores nativo-americana também teria a capacidade de inventar histórias como essas. O que aconteceu é que esses devaneios vieram a calhar como nunca, a ponto de torná-los um dos motivos e objetivos das grandes navegações lusitanas e motivo de litígio entre os aliados Portugal e Inglaterra.

Procura
Missionários e cronistas de todas as partes procuravam essa terra mítica que alcançava as três Índias (poderia, na época, considerar-se a costa índica da África como Índias). Marco Pólo associou-o a Ong-Cã, de um reino mongol; outros a João Orbeliano da Geórgia; mas foi a lenda de que ele era descendente de Salomão e da rainha de Sabá (Etiópia) que o posicionou no local que foi considerado como as terras do Preste João das Índias pelos portugueses, apesar de pouca relação haver entre esse reino e aquele que gerou todo o evento.

Influência
Séculos depois, a lenda estava de tal modo marcada na mentalidade européia que Dom Henrique de Portugal (o príncipe navegador) teve como um motivo dos principais, durante as grandes navegações, encontrar o poderoso monarca e estabelecer uma aliança contra os mouros. Realmente, os exploradores adentravam cada foz de rio, na expectativa de chegarem em seu objetivo, pois haviam fontes que demonstravam que poderia se alcançar o nilo através de um rio da costa ocidental da África, como o mapa de Al-Idrisi, do século XII:
 Os mapas da época demonstram como devia ser difícil saber, por conta de sua imprecisão, o que o horizonte guardava para os corajosos desbravadores.

Diogo Cão, por exemplo, chegou ao rio Zaire e acreditou ter contornado a África, mas seu engano custou caro para sua reputação.











"Descoberta"
Não só por mar foi tentada a missão. Na verdade, o primeiro a chegar a Etiópia a mando de Portugal o fez por terra. Pero de Covilhã, que nunca regressou a Portugal, tendo vivido e casado na corte Etíope. Pouco depois, o contorno do Cabo e o périplo africano foram concluídos. Não demorou para a poderosa armada portuguesa adentrar o Mar Vermelho.
O que se encontrou, no entanto, foi algo muito mais similar a uma realidade do que a um sonho. Era um reino cercado de muçulmanos, que lutava com armas defasadas e a beira do colapso. Foi essa visão real que Francisco Álvares relatou na obra Verdadeira Informação das Terras do Preste João das Índias.

Por mais de uma vez, os lusos tiveram que auxiliar as forças cristãs etíopes. Quando pareceu haver controle da região, a inquisição passou a considerar a prática religiosa local como herética, o que culminou no rompimento da aliança.

É por conta da decepção, talvez, ou por que não foram os portugueses que formaram por último seu grande império ultramarino, que esse momento histórico tenha caído em certo desuso, reavivado apenas nas últimas décadas, quando as cruzadas, os templários e a idade média entraram em evidência popular, através de ficções e teorias conspirativas de internet.





Consequências
Os portugueses gastaram a fortuna herdada dos templários pela Ordem de Cristo na tentativa de formar a aliança que levaria à cruzada final, mas findaram por desperdiçar seu lastro econômico na tentativa de lutar em terras islâmicas. Ceuta, Tanger, Aden, Ormuz... investimentos que só serviram de sorvedouro de recursos. Mas esta é uma questão para outra postagem. Por enquanto fica a lenda desse preste rei, ora mongol, ora africano, descendente direto de Davi ou dos Reis Magos, quem saberá?.
Atenciosamente.



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