quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Batalha de Aljubarrota

Inserida no contexto da Guerra dos Cem Anos, da Peste Negra e da Reconquista na Península Ibérica e com consequências históricas de importância imensurável, a batalha que determinou o início da Dinastia de Ávis em Portugal se deu entre duas ribeiras, no sopé de umas colinas, numa região até então pouco notória: Aljubarrota.

A Crise

Regressemos ao conturbado último reino da dinastia de Borgonha, o de D. Fernando.
Após se aproximar de obter chances de assumir o trono de Castela - pois quando da morte de Pedro I de Castela, travou disputa com Henrique de Trastâmara, a quem o papa favoreceu quando lhe foi pedida intervenção - foi cedida a ele a mão de D. Leonor de Castela, filha de seu adversário. Assim sendo, ainda restaria esperança, caso não houvessem filhos homens de D. Henrique, de se alcançar uma dos reinos em seu matrimônio.
Não resistiu D. Fernando, porém, aos encantos da mulher de um cortesão, D. Leonor Teles de Menezes, com quem veio a casar, anular casamento (provavelmente pela pressão que lhe caiu), e casar-se novamente, causando constrangimento e indignação. D. Henrique de Castela, no entanto, simplesmente prometeu sua "interessante" filha a D. Carlos III de Navarra. Com isso foram-se as aspirações portuguesas de conseguir controle político sobre a vizinha maior.
Passado o vexame, D. Fernando dedicou-se à política interna, de onde criou resultados que lhe recuperaram a moral. Trouxe ao trabalho no campo muita mão de obra ociosa (apesar de se valer do uso esgotante de terra para isso), criou uma bolsa de seguros marítimos em que todos os comerciantes depositavam compulsoriamente uma parte das rendas para ressarcimento de embarcações que sofressem acidente nas viagens, era a Companhia das Naus. Fez crescer o número de naves e a vinda de comerciantes estrangeiros para Lisboa.
Suas relações externas, pelo contrário, eram das piores, em especial com a gigante Castela. Duas guerras e, ao fim dos conflitos, a promessa de sua filha mais velha a D. Juan I de Castela. Era entregar, caso não houvesse um varão, o trono às mãos castelhanas. E assim ocorreu. Em 1383, morre sem deixar um sucessor homem e inicia-se disputa sangrenta pelo trono. É o interregno (1383-1385).


A Primeira Invasão Castelhana

O casamento com a infanta D. Beatriz de Portugal não conferia ao Rei de Castela o direito à unificação, apenas estaria no trono de dois reinos, sem direito de governar Portugal, sob regência de D. Leonor, a quem o povo odiava por ser estrangeira e por ter desposado o rei, mesmo sendo casada anteriormente.
O conde de Andeiro, dito amante galego da rainha, foi assassinado e ela fugida, pede ajuda ao senhor de Castela.
Surge então a necessidade de se encontrar um nome para liderar os portugueses. Então que surge o nome do mestre da casa de Ávis, D. João, irmão bastardo de D. Fernando, filho de D. Pedro I com D. Teresa, dama Galega (interessante notar que Portugal e Galisa estiveram, nessa época, mais próximos que nunca e D. João chegou a ser aclamado rei por alguns grupos descontentes de galegos sob o domínio de Castela). Destaca-se o papel da enriquecida burguesia portuguesa na revolução, adiantada em séculos ao que se passaria no estrangeiro posteriormente.
Sem ver outra opção, D. Juan I inicia campanha militar e chega aos muros de Lisboa, que haviam sido reforçados por D. Fernando, para seu infortúnio, contanto com 77 torres defensivas. Com o apoio do futuro Condestável e Defensor do Reino, Nuno Álvares Pereira, que atacava a periferia do acampamento inimigo de forma semelhante a guerrilha, consegue-se conter o ataque que vinha por terra e por mar. Os castelhanos viram, pela primeira vez nesse conflito, a derrota em vantagem numérica, com o merecimento de atenção especial à frota reduzida que partiu de Porto e furou o bloqueio castelhano para trazer mantimentos, necessários para superar o cerco.


A Segunda Invasão e a Batalha

Mais inserida no cenário da Guerra dos Cem anos, foi uma luta entre lusitanos e ingleses (com quem Portugal já possuía acordo quanto a permissões de pesca) contra castelhanos e franceses.
D. João e Nuno A. Pereira, que estavam em Tomar (onde ficaram guardadas as heranças dos templários, que em Portugal foram tranformados na Ordem da Cruz de Cristo) decidiram interceptar os 31 mil homens de Castela (6000 lanças, 2000 ginetes, 8000 besteiros e 15000 homens a pé) antes que chegassem a Lisboa, pois viram que se defender de outro cerco talvez fosse catastrófico.
Reuniram forças que, segundo o cronista Fernão Lopes, consistiam em 1700 lanças, 800 besteiros e 4000 homens a pé. Aliaram-se 200 arqueiros ingleses e foram ao encontro que ocorreu perto de Leiria.

Conhecedores do terreno e com uma força menor, porém mais manobrável, os portugueses se posicionaram primeiro, em terreno mais alto e protegidos pela retaguarda e pelos flancos por água e ainda puderam realizar paliçadas protetivas na vanguarda. Posicionaram os besteiros e arqueiros nos flancos, a vanguarda de Nuno Álvares Pereira ao centro, por traz das paliçadas e a retaguarda do mestre de Ávis protegida por cavalaria. É questionável o uso da técnica do quadrado que os portugueses tanto tornaram famosa ao vencer grandes cavalarias castelhanas com um número reduzido de infantarias com lanças, graças a situação em que a batalha ocorreu, mas o fato é que o resultado final foi o mesmo. Para mais informações sobre a técnica do quadrado, ver Atoleiros - Tática do Quadrado.

Mal posicionada entre dois cursos d'água, a numerosa cavalaria lançou um ataque precipitado sobre as paliçadas, com a intenção de evitar o cair noite e foi repelida pela artilharia, conforme sua formação se quebrava nos estreitamentos, antes mesmo de chegar a combate corpo a corpo.
Veio então o ataque da retaguarda castelhana que sofreu muito para chegar ao confronto direto e, ao chegar, viu a formação da vanguarda se abrir para os flancos e a retaguarda avançar pelo centro, causando desordem no ataque e a derrota no cenário principal da batalha.
O rei de Castela ainda contava com duas alas de cavalaria. A ala esquerda ficou neutralizada pela geografia e a direita, que conseguiu tentar dar a volta e atacar pela retaguarda, foi contida pela proteção da cavalaria portuguesa que descia a colina, o que gerava grande vantagem.



















Pela segunda vez no conflito, o excedente numérico não superou a qualidade e a moral de quem defendia a própria terra. A debandada foi total e desorganizada. A cavalaria portuguesa perseguiu e matou quem pôde. Os que se esconderam nas cercanias foram mortos pela população, partidária de João de Ávis. Surgiria até a lenda de uma padeira que matou a pá sete castelhanos que encontrou escondidos em seu forno.
Nuno Álvares Pereira tornou-se um ícone como general na história militar lusitana.
Para comemorar a vitória, foi erguido o Mosteiro da Batalha, onde estão sepultados diversos reis portugueses e é considerado patrimônio mundial pela UNESCO.

Mosteiro da Batalha e estátua de Nuno A. Pereira

Tumba de D. João I

As Consequências
Portugal, em finais de 1385, consolidava sua independência e o orgulho nacional, adquirindo situação que outros países só viveriam após o final da Guerra dos Cem Anos. A forte burguesia se juntava aos recursos deixados pelos cavaleiros templários à Ordem da Cruz de Cristo para financiar grandes empreitadas.
A subida da dinastia de Ávis, a aliança militar com a Inglaterra (primeira aliança desse tipo, concebida no tratado de Windsor) e a aproximação dos reinos com o casamento do Rei com Filipa de Lancaster dariam à luz a Inclícita Geração e o período de ouro da história portuguesa, mas a separação dinástica de Castela não seria suficiente para evitar, um século depois, nova crise sucessória, dessa vez com outro resultado. Isso, todavia, já é assunto para outra postagem.

Atenciosamente.

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