quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Batalha dos Atoleiros - Tática do Quadrado

Durante grande parte da Idade Média, a cavalaria pesada foi a força motriz dos exércitos em batalha. Poucas vezes se viu uma grande cavalaria ser ineficaz diante de uma infantaria ou de uma cavalaria mais leve e menor. Muito da força política da nobreza vinha da necessidade de seus recursos para montar uma cavalaria numerosa e bem equipada.


Essa realidade começou a se reverter no século XIV e muitos historiadores colocam, em sua análise, seu foco na Guerra dos Cem Anos, entre França e Inglaterra.
É possível, no entanto, exemplificar essa mudança de paradigma com uma história muito mais "caseira", durante a invasão castelhana a Portugal, no período do Interregno de 1383 a 1385.
O rei de Castela, casado com a filha do rei de Portugal, D. Fernando, que morrera sem deixar herdeiro varão, queria para si a posse do trono português. A burguesia lusitana, no entanto, decidiu apoiar um conterrâneo, mestre da Ordem de Ávis, D. João, tendo início a escaramuça.

Apesar da burguesia portuguesa estar enriquecida, o exército consistia primariamente em infantes a pé. Já as forças castelhanas, além de muito superiores numericamente, possuíam muitos cavaleiros. É nessa necessidade de superar tamanha provação que Nuno Álvares Pereira idealiza a Tática do Quadrado, semelhante, em partes, a uma falange grega, onde lanças longas e em grande densidade e organização neutralizam totalmente a investida dos cavalos. A diferença para os exércitos helênicoss é que a formação contava com apoio de bestas e era quase impossível de ser flanqueada, ao contrário da falange, que tinha em suas laterais o seu ponto fraco, que trouxe o seu desuso e o início da era de ouro das legiões romanas, mais versáteis.
A cavalaria investia contra a linha de frente e sofria muitas baixas nas lanças longas, depois eram alvejadas pelas bestas até que o ataque era repelido. Numa segunda investida, os corpos de homens e animais caídos já consistiam em obstáculo e o ataque, já de um número menor de homens, tornava-se cada vez menos eficiente.
Outra característica eram os flancos móveis e o avanço da retaguarda, que podiam ampliar o comprimento da fileira, cercando o oponente de surpresa, ao invés de ser flanqueado.

Virtualmente impenetrável, essa formação extremamente defensiva e passiva (há que se dizer que só houve sucesso porque a guerra foi de defesa, nunca de avanço) foi responsável por vitórias históricas contra os castelhanos, o que assegurou a independência portuguesa nesse período conturbado:

Os três combates que fizeram do Quadrado a figura geométrica favorita dos portugueses:
Atoleiros  - A primeira em que a tática é usada. Vitória mais perfeita do exército português na história.
Trancoso - Pela ausência de Nuno A. Pereira, a tática é diferenciada e menos eficaz, mas surte efeito.
Aljubarrota - A derrota final dos castelhanos.






Por que Atoleiros?
Obviamente merecedora de destaque, a batalha de Aljubarrota foi muito maior, mas Atoleiros foi a Primeira em que se pode notar o uso da inovadora tática e, um fato dos mais intrigantes, não houve NENHUMA baixa nas forças portuguesas. Foram 1200 homens a pé contra 5000, muitos a cavalo, e nenhum homem sequer foi morto no lado em inferioridade numérica. O fato, tido como obra de Deus, permitiu a reunião de mais homens para o momento decisivo que viria no ano seguinte, em Aljubarrota.

Quando da investida inicial da cavalaria, os castelhanos pensaram que seria um vitória fácil, fazendo do ataque um pouco "afrouxado". Quando se encontraram com as lanças da linha de frente da infantaria lusitana, que estavam cravadas no chão para dar firmeza, os cavalos se feriram gravemente ou morreram, ou refugaram. Já desorganizada, a cavalaria preferia voltar e tentar outra investida ao invés de tornar o combate um corpo a corpo contra uma força mais concisa. A essa altura, a chuva de projéteis das bestas enfraquecia mais ainda as "superiores" forças de Castela.
Devemos saber, para visualizar uma cena interessante, que um ataque de cavalaria, por usar de animais, não pode ser tão facilmente abortado, especialmente se os cavalos estiverem a toda velocidade. Imagine, então, a surpresa dos castelhanos após a investida contra uma força pequena (a vanguarda portuguesa) que, de repente, se abre para os lados e deixa avançar pelo centro a retaguarda, esticando a fileira o suficiente para possibilitar o cercamento da cavalaria.
É fato que a moral de uma tropa é de importância equiparável a outros atributos de qualidade e só podemos tentar nos colocar na posição dos nobres cavaleiros de Castela, paramentados de armas, armaduras e animais caríssimos, vendo suas tentativas fracassarem e seus irmãos em armas caírem. Não é a toa que os combates terminavam sempre em fuga total desorganizada e perseguição da cavalaria portuguesa por quilômetros a fio, que matava muitos mais.


Para se ter idéia da importância do evento no nosso país colonizador, uma iniciativa muito interessante tem recriado, atualmente, em sua data comemorativa, a batalha dos atoleiros, com atores paramentados de armaduras e armas medievais. Não pude participar desse evento mas, se um dia visitar Portugal, pretendo fazê-lo!!!!

Atenciosamente.

Batalha de Aljubarrota

Inserida no contexto da Guerra dos Cem Anos, da Peste Negra e da Reconquista na Península Ibérica e com consequências históricas de importância imensurável, a batalha que determinou o início da Dinastia de Ávis em Portugal se deu entre duas ribeiras, no sopé de umas colinas, numa região até então pouco notória: Aljubarrota.

A Crise

Regressemos ao conturbado último reino da dinastia de Borgonha, o de D. Fernando.
Após se aproximar de obter chances de assumir o trono de Castela - pois quando da morte de Pedro I de Castela, travou disputa com Henrique de Trastâmara, a quem o papa favoreceu quando lhe foi pedida intervenção - foi cedida a ele a mão de D. Leonor de Castela, filha de seu adversário. Assim sendo, ainda restaria esperança, caso não houvessem filhos homens de D. Henrique, de se alcançar uma dos reinos em seu matrimônio.
Não resistiu D. Fernando, porém, aos encantos da mulher de um cortesão, D. Leonor Teles de Menezes, com quem veio a casar, anular casamento (provavelmente pela pressão que lhe caiu), e casar-se novamente, causando constrangimento e indignação. D. Henrique de Castela, no entanto, simplesmente prometeu sua "interessante" filha a D. Carlos III de Navarra. Com isso foram-se as aspirações portuguesas de conseguir controle político sobre a vizinha maior.
Passado o vexame, D. Fernando dedicou-se à política interna, de onde criou resultados que lhe recuperaram a moral. Trouxe ao trabalho no campo muita mão de obra ociosa (apesar de se valer do uso esgotante de terra para isso), criou uma bolsa de seguros marítimos em que todos os comerciantes depositavam compulsoriamente uma parte das rendas para ressarcimento de embarcações que sofressem acidente nas viagens, era a Companhia das Naus. Fez crescer o número de naves e a vinda de comerciantes estrangeiros para Lisboa.
Suas relações externas, pelo contrário, eram das piores, em especial com a gigante Castela. Duas guerras e, ao fim dos conflitos, a promessa de sua filha mais velha a D. Juan I de Castela. Era entregar, caso não houvesse um varão, o trono às mãos castelhanas. E assim ocorreu. Em 1383, morre sem deixar um sucessor homem e inicia-se disputa sangrenta pelo trono. É o interregno (1383-1385).


A Primeira Invasão Castelhana

O casamento com a infanta D. Beatriz de Portugal não conferia ao Rei de Castela o direito à unificação, apenas estaria no trono de dois reinos, sem direito de governar Portugal, sob regência de D. Leonor, a quem o povo odiava por ser estrangeira e por ter desposado o rei, mesmo sendo casada anteriormente.
O conde de Andeiro, dito amante galego da rainha, foi assassinado e ela fugida, pede ajuda ao senhor de Castela.
Surge então a necessidade de se encontrar um nome para liderar os portugueses. Então que surge o nome do mestre da casa de Ávis, D. João, irmão bastardo de D. Fernando, filho de D. Pedro I com D. Teresa, dama Galega (interessante notar que Portugal e Galisa estiveram, nessa época, mais próximos que nunca e D. João chegou a ser aclamado rei por alguns grupos descontentes de galegos sob o domínio de Castela). Destaca-se o papel da enriquecida burguesia portuguesa na revolução, adiantada em séculos ao que se passaria no estrangeiro posteriormente.
Sem ver outra opção, D. Juan I inicia campanha militar e chega aos muros de Lisboa, que haviam sido reforçados por D. Fernando, para seu infortúnio, contanto com 77 torres defensivas. Com o apoio do futuro Condestável e Defensor do Reino, Nuno Álvares Pereira, que atacava a periferia do acampamento inimigo de forma semelhante a guerrilha, consegue-se conter o ataque que vinha por terra e por mar. Os castelhanos viram, pela primeira vez nesse conflito, a derrota em vantagem numérica, com o merecimento de atenção especial à frota reduzida que partiu de Porto e furou o bloqueio castelhano para trazer mantimentos, necessários para superar o cerco.


A Segunda Invasão e a Batalha

Mais inserida no cenário da Guerra dos Cem anos, foi uma luta entre lusitanos e ingleses (com quem Portugal já possuía acordo quanto a permissões de pesca) contra castelhanos e franceses.
D. João e Nuno A. Pereira, que estavam em Tomar (onde ficaram guardadas as heranças dos templários, que em Portugal foram tranformados na Ordem da Cruz de Cristo) decidiram interceptar os 31 mil homens de Castela (6000 lanças, 2000 ginetes, 8000 besteiros e 15000 homens a pé) antes que chegassem a Lisboa, pois viram que se defender de outro cerco talvez fosse catastrófico.
Reuniram forças que, segundo o cronista Fernão Lopes, consistiam em 1700 lanças, 800 besteiros e 4000 homens a pé. Aliaram-se 200 arqueiros ingleses e foram ao encontro que ocorreu perto de Leiria.

Conhecedores do terreno e com uma força menor, porém mais manobrável, os portugueses se posicionaram primeiro, em terreno mais alto e protegidos pela retaguarda e pelos flancos por água e ainda puderam realizar paliçadas protetivas na vanguarda. Posicionaram os besteiros e arqueiros nos flancos, a vanguarda de Nuno Álvares Pereira ao centro, por traz das paliçadas e a retaguarda do mestre de Ávis protegida por cavalaria. É questionável o uso da técnica do quadrado que os portugueses tanto tornaram famosa ao vencer grandes cavalarias castelhanas com um número reduzido de infantarias com lanças, graças a situação em que a batalha ocorreu, mas o fato é que o resultado final foi o mesmo. Para mais informações sobre a técnica do quadrado, ver Atoleiros - Tática do Quadrado.

Mal posicionada entre dois cursos d'água, a numerosa cavalaria lançou um ataque precipitado sobre as paliçadas, com a intenção de evitar o cair noite e foi repelida pela artilharia, conforme sua formação se quebrava nos estreitamentos, antes mesmo de chegar a combate corpo a corpo.
Veio então o ataque da retaguarda castelhana que sofreu muito para chegar ao confronto direto e, ao chegar, viu a formação da vanguarda se abrir para os flancos e a retaguarda avançar pelo centro, causando desordem no ataque e a derrota no cenário principal da batalha.
O rei de Castela ainda contava com duas alas de cavalaria. A ala esquerda ficou neutralizada pela geografia e a direita, que conseguiu tentar dar a volta e atacar pela retaguarda, foi contida pela proteção da cavalaria portuguesa que descia a colina, o que gerava grande vantagem.



















Pela segunda vez no conflito, o excedente numérico não superou a qualidade e a moral de quem defendia a própria terra. A debandada foi total e desorganizada. A cavalaria portuguesa perseguiu e matou quem pôde. Os que se esconderam nas cercanias foram mortos pela população, partidária de João de Ávis. Surgiria até a lenda de uma padeira que matou a pá sete castelhanos que encontrou escondidos em seu forno.
Nuno Álvares Pereira tornou-se um ícone como general na história militar lusitana.
Para comemorar a vitória, foi erguido o Mosteiro da Batalha, onde estão sepultados diversos reis portugueses e é considerado patrimônio mundial pela UNESCO.

Mosteiro da Batalha e estátua de Nuno A. Pereira

Tumba de D. João I

As Consequências
Portugal, em finais de 1385, consolidava sua independência e o orgulho nacional, adquirindo situação que outros países só viveriam após o final da Guerra dos Cem Anos. A forte burguesia se juntava aos recursos deixados pelos cavaleiros templários à Ordem da Cruz de Cristo para financiar grandes empreitadas.
A subida da dinastia de Ávis, a aliança militar com a Inglaterra (primeira aliança desse tipo, concebida no tratado de Windsor) e a aproximação dos reinos com o casamento do Rei com Filipa de Lancaster dariam à luz a Inclícita Geração e o período de ouro da história portuguesa, mas a separação dinástica de Castela não seria suficiente para evitar, um século depois, nova crise sucessória, dessa vez com outro resultado. Isso, todavia, já é assunto para outra postagem.

Atenciosamente.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Dona Aracy - A Lista de Schindler Brasileira

Hoje é Dia Internacional em Memória às Vítimas do Holocausto.
O título da postagem, feito para chamar a atenção, confesso, é uma injustiça. A comparação desmerece a atitude ímpar dessa brasileira.

Não vou entrar no mérito do Holocausto, porque isso é assunto para outro momento, mas fato é que os judeus estavam em situação complicada perante o governo da Alemanha nazista, assumidamente anti-semita. Discorrerei apenas sobre a atitude da esposa do Cônsul do Brasil em Hamburgo, Guimarães Rosa (exato, o escritor de Sertões: Veredas).

A logística do que lhe consagrou como Anjo de Hamburgo era conceder vistos falsos para judeus que tentavam embarcar para o exterior. Como ainda não era casada com Guimarães Rosa, agiu sozinha no princípio. O processo iniciou quando, em 1938, o governo Vargas passou a negar a entrada de judeus no país. A partir de então, os vistos dos judeus, que tinham uma letra "J" para identificação eram negados. Ela, porém, trazia documentos adulterados para a assinatura do Cônsul Geral. Simplesmente era omitida a parte que dizia que os pedidos eram para judeus. A autoridade ratificava os vistos, então, sem saber. O apoio de Guimarães Rosa, na época Cônsul Adjunto, foi que deu início ao romance que terminaria em matrimônio.

Os perigos da descoberta eram iminentes. Quando o Brasil tomou partido dos Aliados, em 1942, a situação ficou crítica. O casal só regressou ao seu país porque entrou num esquema de troca de diplomatas. Foram se casar no exterior, porque ela era divorciada e ainda não era aceito o segundo casamento por aqui.

Mais tarde, ainda veio a esconder em sua casa contra-partidários do regime militar. Já ouviram falar de Geraldo Vandré? pois é...

Seu espírito era defender quem era perseguido sem motivo justo, por forças que considerava opressoras, ao invés de se acovardar e aceitar o sofrimento de quem ela considerava certo. Seu altruísmo lhe rendeu homenagens, principalmente em Israel, por motivos óbvios.

No Brasil, a presidente Dilma Russef participou, HOJE, da primeira homenagem oficial de seu próprio país a essa corajosa e honrada brasileira, que soube diferenciar o legal do certo, agindo contra a lei e a favor de um bem maior: uma sociedade justa.
Infelizmente, como costuma acontecer repetidamente, a homenagem é póstuma, pois ela faleceu em 2011.

Atenciosamente.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Monteiro Lobato - Racismo Anacrônico

Antes de iniciar, gostaria de deixar minha posição a respeito dessa personalidade clara. As idéias de Lobato, quanto à exploração do petróleo e do ferro e o fervor com que tentou fazer algo bom para o Brasil, como abrir uma editora nacional (rara ou inexistente, na época), as críticas à corrupção que publicava sem medo das consequências e a predileção pela literatura infantil (demonstração de zelo pelo futuro do país) são irrefutavelmente admiráveis. Ainda gostaria de dizer que sua obra "História do mundo para as crianças" da coleção do Sítio do Pica-pau Amarelo, foi talvez uma das mais importantes na construção do meu interesse pela história.

O escritor paulista, escritor de obras das de maior qualidade na literatura infantil e famoso por ser um homem a frente de seu tempo também não deixava de ter idéias muito intrínsecas de sua época.

Muitos já devem ter ouvido falar das acusações de racismo referenciadas a ele. Talvez nem todos saibam que correspondências dele com autores eugenistas foram encontradas e seu conteúdo é altamente racista.

A eugenia nada mais é que a famosa teoria da raça pura. Em particular, a eugenia negativa consistia no impedimento da proliferação de genes fracos (como o de deficientes físicos e mentais congênitos), mas não deixa de passar pela predileção étnica. A superioridade racial foi defendida com ares de ciência no início do século XX.

Kehl e Neiva, "cientistas" defensores da Eugenia no Brasil, correspondentes de Lobato, recebiam as cartas em que o escritor defendia a Ku Klux Klan, ressaltava lugares onde a teoria prosperava (por incrível que pareça, o maior deles eram os EUA!!!) e chegava a comparar populações de baianos pobres e mestiços com esterco.

Ante às provas, houve secretarias de saúde que repudiaram TODA sua obra, removendo-a da relação de livros escolares. É como se a simples leitura de uma obra escrita por um racista do início do século fosse contaminar as crianças, talvez com mensagens subliminares e o Nazismo fosse voltar com força total!!!!!!!!
Seja qual foi a autoridade que promoveu essa resolução que, pelo bem, foi revogada, olhou com os olhos de hoje um pensamento do passado e isso é errado, senão perigoso.

O pensamento Anacrônico é o interpretar com os valores de hoje um fato do passado; julgar a atitude tomada por um indivíduo que só sabia o que era da sua realidade à luz de toda a ciência de que dispomos atualmente.

A eugenia, na época, não era uma exclusividade nazista, mas florescia no Estados Unidos, que possuía leis de segregação racial já na década de 50. Nenhum defensor da teoria foi julgado e preso antes disso. Sabe por quê? Porque não era crime.

A moral dos povos não é estanque. É adaptativa e evolui. Só depois do que se viu durante a Segunda Guerra Mundial é que se passou a discutir em âmbito maior e perceber que o racismo é um problema e que deve ser resolvido.

Em defesa a Lobato, após a chegada da propaganda de guerra, que informava sobre atrocidades cometidas pelos alemães, as cartas de conteúdo repudioso cessaram e não surgiu nenhuma outra obra com teor duvidoso. Antes disso, quem leu "Negrinha" não pode acreditar que sua obra está contaminada de nazismo doentio subliminar, pelo contrário, mostra um autor que tenta relativizar a situação, entrando na mente e nas emoções da criança negra.

Enfim, o politicamente correto não pode ser um comportamento de rebanho. A moral e a civilidade é o que nos torna humanos e deve ser o que há de mais elevado em nossas mentes.

Só podemos nos lamentar por seu clamor por valorização da educação, tecnologia, das estradas e da exploração de recursos não terem sido atendidas e comemorar por ele ter recuado de sua defesa da eugenia antes que isso acabasse por destruir seu prestígio, ou pior, que ele conseguisse atrair a atenção de alguma autoridade a endossar o ideal.

Atenciosamente.

28 de janeiro - Roosevelt em Natal

A visita de Roosevelt





Há exatos 70 anos, em 1943, o presidente americano Roosevelt se encontrava com Getúlio Vargas na cidade de Natal, onde se instalou uma base militar americana. Entre outras coisas, negociaram o envio de tropas nacionais para o cenário europeu, broto da idéia da Força Expedicionária Brasileira, que levaria mais de 25 mil soldados para o Sul da Itália. A missão que o trouxe do Marrocos estava munida de várias aeronaves, nada surpreendente para uma nação em estado de guerra.

Ao nascer do Sol do dia 29 de janeiro, Roosevelt já estava embarcado para partir para Trinidad, mas o povo brasileiro só saberia o conteúdo da reunião dos presidentes um dia depois, na coletiva de imprensa, uma vez que a conversação foi mantida em sigilo.

O momento histórico virou tema de livro: 1943 - Roosevelt e Vargas em Natal, de Roberto Muylaert e a população da cidade o tem como fato histórico marcante, de um período em que o Nordeste Brasileiro esteve em evidência no mundo. Vale salientar como a negociação foi importante para a indústria brasileira, que se tornaria uma das poucas a controlar o mercado do aço.

A FEB, porém, só sairia do papel um ano depois e participaria dos momentos finais da investida contra Mussolini e Alemães em território italiano.










Filmes Históricos

Nada melhor para um Amador do Conhecimento que assistir filmes históricos, apesar de ser recomendado olhar crítico e discernimento, principalmente nas películas de Hollywood.

Ai vai uma lista de filmes legais de filmes que eu já assisti. Não se assuste se não vir o nome de obras como "Coração Valente" e "Joana D`arc". Mesmo ciente de que cinema não é documentário e que a carga emotiva e a criação de heróis é necessária na sétima arte, usei como critério para a seleção a verossimilhança e o conteúdo, além da qualidade.

Ai vai a lista inicial, sugiram outros para completar:






A Missão (1986)
Com Robert Deniro, o filme é indicado pelo vaticano. Mostra uma época marcante da colonização do Brasil pouco divulgada. Quebradas as barreira do Tratado de Tordesilha, após o período da União Ibérica, Portugal e Espanha disputam posse das terras próximas a região atual de Foz do Iguaçu. Uma das cenas mais marcantes é de eclesiásticos no vaticano discutindo sobre a humanidade ou não de um menino nativo.















1492: A Conquista do Paraíso (1992)
Com Gerard Depardieu no papel de Colombo, mostra que o mundo já era sabidamente redondo e a discussão era, na verdade, acerca do tamanho da sua circunferência. Mostra também que Colombo soube, em dado momento, que não chegara às índias e o declínio do seu prestígio veio da má administração das terras que lhe foram concedidas. Atenção para a trilha sonora marcante.












A Guerra do Fogo (1981)
Acho que o único da lista que não é baseado em fatos históricos, mas que merece atenção. Uma tribo luta para manter uma fonte de fogo que possui, até descobrirem outro povo que consegue controlá-lo. Gosto de associar essa manutenção da chama vital com a tradição de vários povos antigos de designar sacerdotes para guardar uma chama acesa em teplos para diversos deuses, que pode ter surgido de um costume semelhante. A chama não poderia ser apagada ou traria mau agouro, no caso dos pré-históricos do filme, Muito mau agouro.













Os Treza Dias que Abalaram o Mundo (2000)
Com Kevin Kostner. Mostra a tensão do momento em que a humanidade esteve mais perto de iniciar uma guerra nuclear. A pressão de militares que poderiam se beneficiar de um evento desse porte e uma idéia do que poderia se passar pela cabeça de um presidente nessa situação.















O Discurso do Rei (2010)
Com Colin Firth e Geoffrey Rush, ambos espetaculares no filme. Mostra a superação de um rei gago em frente a uma nação que entraria em guerra, obrigado a dizer as palavras que o povo precisa ouvir em um tempo em que isso poderia fazer a diferença. E dizem que não saem mais filmes bons...















A Outra (2008)
As musas Scarlett Johansson e Natalie Portman no papel das irmãs Bolena. Não sei dizer se os fatos históricos estão precisos, mas a importância histórica do momento vale a indicação. O romance resultou nada mais, nada menos do que na criação da Igreja Anglicana e a saída da Inglaterra da esfera de influência papal.















Amistad (1997)
Morgan Freeman, Antony Hopkins e por aí vai. Mostra a situação de futuros escravos que se amotinaram num navio negreiro e foram parar na corte americana. Tirando a sátira à imagem da realeza latina, tudo perfeito. Acredito que a sorte desses africanos foi de terem parado nos EUA, se viessem para o Brasil alienado da época, o medo faria com que fossem entregues aos espanhois.















Carlota Joaquina, Princesa do Brasil (1994)
Marieta Severo e Marco Nanini. A sátira da nobreza afasta a obra da realidade, mas não poderia ser deixada de fora da lista pela importância que a família real em terras brasileiras teve para o nosso país. A situação dos migrantes nas embarcações durante a viagem foi uma das cenas que mais marcou, para mim.














Guerra de Canudos (1997)
Nem vou entrar no quesito elenco. Sou defensor da qualidade dos atores brasileiros e acredito que falta reconhecimento para o que é nacional. Apesar de, ainda assim, recomendar o livro "Sertões" de Euclides da Cunha, é necessário colocar na lista a atitude da república frente aos monarquistas, que em nada se diferenciou da imperial frente aos republicanos nos farrapos, por exemplo. Afinal, no Brasil a impressão que sempre fica é que as revoluções acontecem e nada muda.








Vou parar por aqui. Devem haver muitos outros que mereciam ser citados, e posso até atualizar a postagem com sugestões, mas por enquanto é isso.
Atenciosamente.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Sicília

Como nossos ascendentes não podem ser ignorados, como fazemos ao venerar mitologias estrangeiras em filmes de fantasia e quando assistimos a documentários sobre batalhas que não interferiram em nada na nossa condição de dominados, ora por um, ora por outro, devo discorrer sobre a terra natal de meus antepassados: a Itália. Mais precisamente da região de onde veio sua maioria: a Sicília.



Não apenas por obrigação, mas pelo interesse que disperta essa ilha, separada da Itália por apenas 3 quilômetros, pelo Estreito de Messina, chave para qualquer um que queira ter o domínio sobre o Mediterrâneo. Graças a esse fato, a história das civilizações mediterrâneas pode ser encontrada na história da Sicília. Seu povo de fama rude tem motivos para tanto, pois essa história consiste, como sempre, na guerra e invasões de muitos povos, o que causou a xenofobia típica, principalmente nos lugares mais pitorescos da formosa e rochosa ilha.

Primeiros Povos
Inicialmente colonizada por Sicanos, Emílios e Sículos há tanto tempo que pouco se sabe sobre as reais circunstâncias desse período. Mais tarde, chegaram os Fenícios no Oeste, trazendo o início da tradição de comércio no litoral; depois os Gregos a Leste e Sul, que fundaram Siracusa, importante cidade comercial e capital por longo período.

Primeiros Invasores
O primeiro período de guerras organizadas foi entre gregos e cartagineses. Ao final, Cartago transformou a ilha em uma das regiões mais importantes do império.
Depois chegaram romanos. Empreendendo as Guerras Púnicas, conseguiram conquistar a Sicília, que continuou tendo grande importância comercial e como produtora de trigo. As Guerras Púnicas voltaram a acontecer e, durante todo o tempo em que Cartago teve força, houve muitos ataques ao litoral.
Durante o declínio de Roma, a ilha parecia protegida ali, na ponta da bota e cercada de água, uma vez que os povos bárbaros não tinham tradição no mar. Mas após sua expulsão da Península Ibérica, os Vândalos entraram pela África, tomando todo o Norte até Cartago, de onde partiram para formar, sob o camando de Genserico, um reino bárbaro no local.

Outros bárbaros, os Ostrogodos, depois de tomarem a Península Itálica, dominaram a Sicília Vândala. O último bastião dos Vândalos foi Lilibeo (Atual Trapani, sobrenome de minha avó paterna, por sinal). Anos depois, Justiniano, Imperador de Bizâncio, na sua tentativa de recuperar o Império Romano da antiguidade, dominou a ilha depois de longo conflito. A primeira invasão, rápida, usou de 15 mil homens, mas os ostrogodos conseguiram um contra-ataque, sendo necessário uma segunda ofensiva, de surpresa, pelo Norte.

Dominada pelos ortodoxos bizantinos, foi atacada pelos Muçulmanos Fatimidas, que tomaram várias cidades, subjugando a população ortodoxa e trazendo ao poder uma minoria islâmica no Emirado da Sicília. Os bizantinos ainda tentariam retomar a ilha e chegaram a invadir a capital, mas não foi o suficiente e recuaram.
Os Sarracenos continuaram a exercer seu domínio por dois séculos, nada ruim para a região, já que na época a cristandade passava por uma época conturbada, enquanto o islã florescia, até a chegada dos Normandos, tradicionais mercenários que, enriquecidos e politicamente fortalecidos, estabeleceram bases suficientes para uma campanha de conquista da Sicília. Com sua chegada, a conversão em massa para o catolicismo apostólico e o retorno da cultura latina ocorreram.

Então entra um período de conquista política, não militar. Quando o soberano do Sacro Império Romano Germânico, casado com a filha do rei da Sicília, tomou posse após a morte do rei. A ilha passou não só a integrar o Sacro Império, mas a figurar entre os principais reinos que o formavam. Já no século XIII, brotava uma ar de renascença e os domínios territoriais se estenderam para o Sul da Itália.

Com o fim da dinastia dos Hohenstaufen, o papa deu o domínio das terras a Carlos I, francês Angevino. Mas revoltas eclodiram nas cidades que buscaram apoio estrangeiro, principalmente em Aragão, cujo rei Pedro III possuía laços com os suábidas. Mais uma vez se fez necessário o conflito armado. Foi então que iniciou-se o período de domínio aragonês, que depois veio a se tornar um domínio dos Habsburgos, por questão de sucessão. Nesse meio tempo, os Piemonteses de Sabóia tiveram um curto período de posse da ilha.

Napoleão invadiu Nápoles, na época, indistinta da Sicília (Reino das Duas Sicílias), que voltou a se unir sob a coroa da Sicília após o Congresso de Viena (1815).

A agitação voltaria em breve, durante as guerras da Unificação Italiana, com as tropas de Garibaldi invadindo o território insular. Um plebiscito a tornou parte do Reino da Itália. Depois disso veio um período decadente, motivo das migrações que trouxeram muitos para o Brasil, Argentina e Estados Unidos.



Aqui vale um adendo: A obra de Giovanni Verga "os Malavoglia" retrata a época da segunda metade do século XIX de forma esplendorosa, num romance que lembra as escolas realista e naturalista da literatura brasileira (Machado de Assis e Aluísio Azevedo) e nos faz pensar na situação econômica e social que levou o povo siciliano a migrar em massa para, principalmente, Brasil e Estados Unidos. Essa obra foi reeditada em 2013 pela Abril, numa coleção de clássicos da literatura. A edição vem com muitas notas do autor interessantes.



O século XX
Vieram as Guerras Mundiais do século XX, e foi pelo Sul da Itália que chegaram os Pracinhas brasileiros para combater o Facismo, muitos deles descendentes de italianos que tiveram ali a oportunidade de ver de onde vieram seus pais e avós. Depois, obviamente destruída, a Sicília viveu o oportunismo de famílias mafiosas diante da crise que se instalara. A máfia foi teoricamente derrotada, sendo que o "último mafioso" foi encontrado escondido no Brasil (refúgio de todo tipo de vilão internacional) e hoje a Sicília é um Território Autônomo da Itália. Essa separação histórica tem sido motivo de muito preconceito interno contra os cidadãos da região e tem imposto barreiras para os descendentes que procuram a cidadania italiana como Oriundi com ascendentes do Sul.

Enfim, tudo que acontecia na Europa refletia nessa ilha cheia de história que merece apreço maior de todos os amadores do conhecimento.



Batalha de Lepanto

  Foi convencionado que o fim da Idade Média se deu no ano de 1453, com a tomada de Constantinopla pelos Turcos-Otomanos. É fato que já se deu muito mais importância para a memorização de datas específicas nas escolas, mas ainda existe muita força nessas separações didáticas que encaixotam conhecimentos, sem nos permitir criar vínculos entre diversos acontecimentos da história, necessários para o entendimento mais completo. Não quero aqui transformar a linha do tempo da história, longe de mim, pois a tomada de Constantinopla marca o fim da Roma do Oriente, assim como 476 é marcado como o fim da Roma do Ocidente


  Até me arrisco a dizer, com o apoio de alguns historiadores, que a tomada de Constantinopla não marca tanto o fim de uma era quanto o assunto desta postagem: a Batalha de Lepanto. No primeiro evento, é marcante o início da guerra moderna, que torna a pólvora mais importante que a lâmina, mas demonstra mais uma continuidade da crescente força do Império Otomano, que vinha se apoderando de diversas regiões do Mediterrâneo e Leste da Europa e, mesmo com tamanha capacidade militar, coseguia dominar também o comércio. Para um comércio forte, já àquela época (1571), era de suma importância uma frota poderosa e o controle de rotas marítimas. O controle do Estreito de Bósforo foi importante, mas o próprio domínio dos mares já estava estabelecido. A batalha que trataremos a seguir não só é a primeira grande vitória da cristandade contra o Império Turco-Otomano, como marcou a início da decadência do Islã e a  ascensão dos Cristãos, que na verdade já tivera início no Atlântico com a expansão para Américas e o Périplo Africano, mas sofria baixas no próprio continente europeu. A frota turca nunca mais se restabeleceu a ponto de promover rivalidade aos católicos. Ocorre que, se a vitória do confronto fosse inversa, os estados formadores da Liga Santa (Habsburgos da Espanha, Veneza, Estados Pontifícios e aliados de Nápoles, Sicília e Malta) envolvidos na campanha teriam de tal forma se endividado que, talvez, fosse impossível recuperar o controle do Mediterrâneo em séculos, além de outras implicações que veremos.

A Situação
  Em meados do século XVI, os otomanos já haviam se apoderado da Turquia, da Crescente Fértil do Iraque, de pontos cruciais do Mar Vermelho (Meca, Medina), do Egito, Suez, Palestina, Parte Arábica do Golfo Pérsico, Geórgia e estendiam-se para o Leste. Isso só na frente Oriental.
  No Ocidente, possuíam todo o Norte da África, com exceção do Marrocos, A Grécia, todo o Mar Negro, a Hungria. Já haviam derrotado os Magiares e chegado às portas de Viena (abandonaram o cerco porque as tropas queriam regressar antes do inverno e pressionaram para levantar acampamento). Após sofrerem em duas tentativas fracassadas de tomar Malta (chave do Mediterrâneo Ocidental), voltaram-se para o Chipre, que tomaram em 1570. Já ali, mostrou-se o ponto fraco dos otomanos: duas frentes de batalha. Os custos da derrota em Malta iam além da moral na frente ocidental, mas consumiam recursos de guerra necessários contra os Safávidas. Isso seria, por fim, a falência do império que viria a se tornar um gigante doente nos próximos séculos, mas que perduraria até o século XX.

A Iniciativa
  Após a prova de que eles não eram invencíveis e num momento em que era necessário o contra-ataque, após a perda do Chipre, se a Europa Ocidental não reagisse, o império ficaria livre para atacar ora os cristãos, ora os Safávidas na Pérsia. Sua expansão e riqueza chegaria a torná-los virtualmente indestrutíveis. Logo, o pirata Barba Roxa, de Tunis, agora almirante, poderia se aventurar livremente pelo Atlântico. Mas como a sociedade humana tem o poder de se adaptar às situações mais adversas, ocorreu nos reinos cristãos, ameaçados desde a Itália até a Península Ibérica, um sentimento de união, mesmo que cheio de interesses escusos, que mudou a realidade do Ocidente.
  Veneza, principal adversário, possuía o Novíssimo Arsenal, e planos secretos de uma nova embarcação de guerra baseada nas Grandes Galeras mercantes, mas não tinha mais recursos para construir  naves de guerra na velocidade necessária. Essa falta de recursos quase os forçou a negociar paz com os turcos. Com a tomada do Chipre, mudaram de ideia e assinaram com a Liga Santa.
  Num pedido de ajuda, houve um esforço sem medidas do Papa para conseguir recursos na França (que se negou) e aos Habsburgos, dominantes da Áustria e Espanha (que ainda não existia como Nação coesa). Estes sim, por estarem ameaçados até em seu território, entraram na aliança com pompa de protagonistas.
Veneza lançou mão de suas Galeaças, e de muitas galés. O papado entrou com mais navios. Os Habsburgos, apesar de poucas naves, inclusive algumas de Gênova que financiaram, entraram com dois terços das tropas, ou seja 20 dos 30 mil homens. No total, 214 navios, sendo 208 galés e 6 galeaças (verdadeiras fortalezas flutuantes, de cerca de 41 canhões, mas com um empecílio que trará um resultado que veremos depois).
  Aliados aos Cavaleiros de Malta, Nápoles e Sicília, atacaram a frota turca em 1571 em Lepanto (costa da Grécia) e obtiveram um êxito de tamanho até inesperado.

A galeaça (acima), possuía o diferencial, além do tamanho e capacidade de tropas, de poder usar de 20 canhões pesados e 21 leves, contra apenas 3 das galeras turcas)

Ocorre que, pelos navios turcos serem usados em águas rasas no Adriático e também para desembarque de tropas, seu casco foi elaborado chato, o que lhes conferia grande velocidade e manobra, mas pouca estabilidade para atirar (pois o barco balança muito com as ondas), causa, além de tudo, da imprecisão dos disparos da frota otomana.

O combate em mar fechado favoreceu também os navios maiores, pois os homens em maior quantidade, aliados à posição mais alta, eram privilegiados no combate de abordagem que se instalou quando houve a aproximação das forças inimigas.



A Batalha
  Antes mesmo da aproximação, na verdade, o combate estava decidido. Mesmo com mais navios (230 galeras turcas), a primeira investida central de Ali Paxá diretamente contra a galera do líder da Liga Santa, Juan da Áustria, foi bloqueada pelos 40 canhões pesados de 2 galeaças. A sultana de Paxá chegou a encravar seu esporão na Real do de Áustria, mas a capacidade numérica de homens era muito superior na nave cristã. Os otomanos começavam a batalha sem seu líder, que teve sua cabeça pendurada em lança para retórica. Não obstante ao número de canhões, as galeras do Arsenal de Veneza possuíam as melhores bocas de fogo do Mediterrâneo, até mesmo superiores às dos castelhanos ou genoveses. O combate em linha transformou-se em abordagem e combate homem a homem já sob grande superioridade da Liga Santa, que terminou com uma vitória humilhante sobre as forças do império oriental. Somente os canhões das Galeaças foram responsabilizados por 70 baixas inimigas numa batalha de 4 horas (rápida). 30 mil foram mortos no lado derrotado, 7600 entre os vitoriosos. 12 mil foram libertados entre escravos turcos, isso é terminaram com mais homens cristãos do que começaram. 130 galeras turcas foram tomadas. Nem contaremos o ouro e as armas recolhidas, pois a maioria disso foi saqueada e parou nas algibeiras de soldados.

As Consequências
  Assim como a tomada de Constantinopla marcou o uso de canhões nos cercos e a tática otomana de usar a tecnologia ocidental contra eles mesmos, Lepanto demonstrou que a artilharia seria o grande recurso nas batalhas navais dali para frente. Infortunadamente, os Habsburgos não pensaram assim. Eles viram o tamanho das galeaças e a posição superior dos homens a disparar como a verdadeira vantagem que levou à vitória.
  Com os recursos da exploração americana, Felipe II construiu a famosa Invencível Armada, munida de Galeões gigantes para os padrões da época. Dos navios portugueses que tomou posse ao formar a União Ibérica, mandou aumentar os castelos de proa e popa e tornou-os imanejáveis. Pegou seus monstros marinhos desajeitados de 100 canhões e, 17 anos depois da vitoriosa campanha em Lepanto, o duque de Medina-Sidonia sentiu do constrangimento de Ali Paxá ao ser derrotado pelos "pequenos" navios ingleses que disparavam ao largo, impedindo a abordagem de seus 30000 infantes. Pois é, a vitória que marcou a quebra do poderio do fervor católico espanhol e o início do Império Inglês, dando cara até mesmo para a Idade Contemporânea tem embricamentos complicados com a Batalha de Lepanto. Mas deixemos isso para a postagem correlata.

Atenciosamente.

domingo, 27 de janeiro de 2013

Visigodos

Como a história contada é sempre a dos dominantes, muito sabemos a respeito de Vikingues e sua mitologia nórdica, base de ficções como Senhor dos Anéis e Conan, o Bárbaro; Robin Hood e Rei Arthur parecem ser nossos heróis; Helloween tomou conta do dia 31 de outubro, e o vermelho Santa Klaus chega bufando de calor para entregar nossos presentes de Natal em pleno Verão.

Pouco paramos para conhecer a rica história de nossos ancestrais (no meu caso italianos), ou de nossos colonizadores portugueses. E infelizmente nos retemos na facilidade das historinhas mastigadas e digeridas da tela dos cinemas.

Já que estamos a falar de Vikingues, por que não usar a deixa para falarmos de um povo tido como bárbaro, assim como eles e que invadiu a fronteira do império romano em sua decadência, assim como eles mas, diferente dos nórdicos, percorreram o império romano por mais de 40 anos até se estabelecerem na Península Ibérica: Os Visigodos.

O mapa mostra, basicamente, como esse grupo de Godos saíram do Leste europeu, migraram por toda a Europa mediterrânea, entraram em Roma antes mesmo de 476 (ano tido como início da Idade Média, queda de Roma), tentaram se estabelecer na Gália, mas acabaram colonizando a região que depois seria invadida pelos mouros.




A Ameaça
Após um período conturbado de conflitos, veio a pax romana. Os godos se estabeleceram na Dácia, ao Norte do Danúbio, compreendendo territórios dos atuais países de Romênia, Bulgária, entre outros dos Balcãs. Contudo, no século IV teve início o assédio huno na região. Os Godos, que haviam se convertido ao cristianismo nos termos do arianismo (seguidores de Arius), que não tem nada em haver com o arianismo nazista, possuíam uma sociedade das mais organizadas entre os bárbaros. O medo dos ginetes asiáticos os fez buscar abrigo dentro das fronteiras do ainda poderoso, apesar de dividido, império.

As Migrações
Como não houvessem obtido boa recepção na Trácia, seio do Império Romano do Oriente, os visigodos (um dos grupos que formavam os Godos) adotou uma postura agressiva e transformou-se em um exército de grande coerência que derrotou e matou o imperador Valente em Adrianópolis (Edirne). O governo tentou negociar a fixação de uma colônia visigótica, mas estes pareceram preferir as armas, deslocando-se para a Península Itálica. Sob comando de Alarico, saquearam toda a região e chegaram aos portões de Roma. Os romanos ainda possuíam um certo orgulho imperial e acreditaram que, com a morte do líder, os o bando se dispersaria. A cidade foi invadida já sob as ordens do cunhado de Alarico, Ataulfo, que conseguiu manter unido o povo em constante migração de maneira pouco conhecida, mas que provavelmente fazia valer de novos recrutas de outras regiões e mulheres estrangeiras. Indício dessa atitude é que Ataulfo sequestrou a filha do imperador e, mais tarde, veio a casar com ela.
Buscaram, na Gália, um acordo para fixar seu poderio. Para forçar Roma a ceder, não deixaram de tomar várias cidades, até que se permitiu sua estadia na Gália, onde formaram um reino dentro dos domínios do império, algo sem precedentes e que poderia, por si só, ser o verdadeiro ponto de transferência da Idade Antiga para a Idade Média.



A Aliança com o Império
A essa altura, viram-se numa encruzilhada, pois a chegada do hunos à região forçou-os a tomar partido. Formaram então aliança com o império enfraquecido contra seus arqui-rivais hunos. Em certo momento, a desorganização política dos adversários custou-lhes a estabilidade e desmantelou suas forças. As temíveis cavalarias foram vencidas.
Além de combaterem os hunos junto ao império, os visigodos foram a força principal a combater outros povos que haviam penetrado pela Gália e chegado à Hispânia, os Vândalos, aliados a Suevos e Alanos.
Mais uma vez, a força dos visigodos foi demonstrada: Vândalos e Alanos se refugiaram no Norte da África, de onde causaram muitos problemas ao império, posteriormente; os Suevos ficaram encurralados na porção mais ocidental da Ibéria (Portugal e Galícia) e mais tarde acabaram se misturando aos visigodos dominantes.
As primeiras derrotas visigóticas ocorreram na Gália e, mais tarde, no Sul da França. E a religião herética, segundo Roma, foi o que causou sua expulsão da região. As questões de fé também foram desculpa para a invasão de Justiniano, que procurava reconstruir o Império Romano a partir do Bizâncio e dominou o Mediterrâneo até o Sul da Península Ibérica. Brigas sobre a sucessão enfraqueceram os visigodos na Hispânia, fortalecendo o domínio Oriental. Leovigildo, já em 567 é que voltou a dar cara ao reino dos Visigodos, mas era defensor do arianismo e, quando seu filho se tornou católico, chegou a impedí-lo de assumir. Em 586, Recaredo, após a morte de Leovigildo é que fez as pazes com a igreja com as graças do povo.

O Reino Visigodo
A estrutura do reino foi se consolidando, até o ponto de haver uma compilação de leis que só voltaria a ser vista já no império de Carlos Magno, a Lex Visigothorum, que conseguiu estabelecer as mesmas regras para romanos e visigodos. Eles foram os primeiros e mais duradouros dos povos que penetraram o Império Romano. Acabaram, também, por ser um dos principais aliados e mais influenciados em cultura pelo império decadente (ou em transformação, como preferem dizer alguns historiadores). Apesar de tudo, os historiadores afirmam que nunca houve, na sua invasão, o objetivo de destruir Roma e a "Queda" do Império é mais um pensamento anacrônico que um fato histórico com data estabelecida exatamente no ano de 476.

A força dos Visigodos só não resistiria à invasão muçulmana, que já é assunto para outra postagem. Fiquemos com a importância desse povo que saiu do Leste Europeu para influenciar a história e a cultura de nossos colonizadores portugueses.

Atenciosamente.

sábado, 26 de janeiro de 2013

Matemática da Abolição

Antes de iniciar, preciso, como é de praxe, salientar que, em nenhum momento, quero com esse artigo diminuir a importância histórica da abolição da escravatura. Meu interesse é discutir mais a fundo momentos que, muitas vezes, são explicados de forma simplista e distorcida em nosso sistema educacional.

Uma visão interessante sobre a abolição da escravatura no Brasil é que a Lei Áurea, tanto comentada, foi apenas o tiro de misericórdia no sistema moribundo.

Vamos fazer as contas:

O primeiro passo para o fim da escravidão foi a Lei Eusébio de Queirós (1850) que proibia o tráfico de escravos no Atlântico (claro que a lei existia para ser burlada). Então, em 1871, veio a Lei do Ventre Livre que declarava livre todos os nascidos, mesmo de mãe escrava (claro que ele teria que viver junto de sua mãe escrava, pelo menos até poder se virar e, com certeza, acabava sobrando trabalho escravo pra ele aqui ou ali). As duas leis, na teoria, eram suficientes para acabar com a escravidão, assim que falecesse o último descendente de escravo nascido antes da vigência da Lei do Ventre Livre.

Acontece que tudo iria ocorrer muito lentamente, no decorrer de uma geração inteira. É muito tempo. As pessoas tinham que ver acontecer. Declara-se, em 1885, a lei dos sexagenários, que emancipa todo escravo que atinge a sexta década de vida (claro que poucos chegavam lá, pela qualidade de vida precária que podiam levar). Obtive dados não necessariamente corretos, em vídeos na Internet, que dizem que a expectativa de vida após a chegada no Brasil de um escravo era de 5 anos. Isso explicaria, em parte, por quê nos EUA, onde chegaram muito menos escravos, havia uma população negra maior. Enfim, agora sim, estava marcado o prazo para o fim da escravatura: 1931, ano em que o último nascido antes da Lei do Ventre Livre completaria 60 anos.

Os fazendeiros mais esclarecidos, como sabiam que esse caminho era sem volta, desde então já vinham se preparando com a chegada dos primeiros imigrantes europeus assalariados. Os escravistas, apesar de derrotados, tentavam se adaptar à lenta transição, mas tem coisas que não podem esperar. Não bastava naquela época, como não bastaria hoje, saber que a liberdade chegaria no final da vida. Tinha que ser já. Então veio o tal tiro de misericórdia em 1888. Ainda que esperada, a emancipação foi tida como a quebra do alicerce do império brasileiro.

Posso até imaginar os fazendeiros, bons brasileiros que eram, que tinham deixado tudo pra última hora. De repente tiveram de alforriar seus escravos e adaptar toda a sua produção para o novo sistema de uma vez só. Uma confusão!! Foi um ato nobre, que custou muito à nobreza.

Atenciosamente.

Preste João das Índias

Estudar a lenda do grandioso rei cristão do Oriente é conhecer o estado psicológico dos europeus durante a Idade Média. O surgimento de lendas necessitava apenas de um estopim. O boca a boca dava conta do resto.

Origem
Um bispo Armênio (ou turco) trouxe ao papa Eugênio III, juntamente com o aviso da queda de Edessa, a notícia de que um rei católico da Ásia teria derrotado muçulmanos e vinha em cruzada para a Terra Santa, mas teve que voltar da investida por motivo de peste que se alastrava na companhia. Dizia, porém, que ele regressaria para ajudar a manter as posses cristãs na Palestina.
Foram, sim, encontrados outros relatos sobre a derrota desse exército islâmico de Seljúcidas na Ásia, mas quem os dominou foi uma força mongol. Talvez esse exército estivesse permeado de cristãos Nestorianos (Segmento da cristandade independente da igreja bizantina e da apostólica romana, surgido em Alexandria que floresceu na Ásia, alcançando até a China da dinastia Tang).
Mesmo sendo meia verdade, a visita bastou para reacalentar o ânimo da guerra santa. Eugênio III clamou por uma nova cruzada e o espalhamento da notícia fez surgir a lenda.

Expansão
Nas décadas seguintes, cartas forjadas chegaram às mãos dos grandes reis da Europa e do Papa (para mim, não passavam de trotes medievais), cada uma com dados mais exagerados sobre a grandeza do império do Preste João. Um exército de mais de um milhão de homens, 72 reinos vassalos, ouro e pedras preciosas como ninguém jamais havia visto e, é claro, a fonte da juventude. O próprio presbítero teria mais de 500 anos, com aparência de 32.
Afinal, os europeus precisavam disso para manter a fé na igreja cristã. Era necessário acreditar na vitória, senão teria sido mais fácil para os povos o subjugo e a conversão ao islamismo. No meu ver, em verdade, as lendas de criaturas e jardins do Éden são naturais da mentalidade humana. Uma tribo de caçadores coletores nativo-americana também teria a capacidade de inventar histórias como essas. O que aconteceu é que esses devaneios vieram a calhar como nunca, a ponto de torná-los um dos motivos e objetivos das grandes navegações lusitanas e motivo de litígio entre os aliados Portugal e Inglaterra.

Procura
Missionários e cronistas de todas as partes procuravam essa terra mítica que alcançava as três Índias (poderia, na época, considerar-se a costa índica da África como Índias). Marco Pólo associou-o a Ong-Cã, de um reino mongol; outros a João Orbeliano da Geórgia; mas foi a lenda de que ele era descendente de Salomão e da rainha de Sabá (Etiópia) que o posicionou no local que foi considerado como as terras do Preste João das Índias pelos portugueses, apesar de pouca relação haver entre esse reino e aquele que gerou todo o evento.

Influência
Séculos depois, a lenda estava de tal modo marcada na mentalidade européia que Dom Henrique de Portugal (o príncipe navegador) teve como um motivo dos principais, durante as grandes navegações, encontrar o poderoso monarca e estabelecer uma aliança contra os mouros. Realmente, os exploradores adentravam cada foz de rio, na expectativa de chegarem em seu objetivo, pois haviam fontes que demonstravam que poderia se alcançar o nilo através de um rio da costa ocidental da África, como o mapa de Al-Idrisi, do século XII:
 Os mapas da época demonstram como devia ser difícil saber, por conta de sua imprecisão, o que o horizonte guardava para os corajosos desbravadores.

Diogo Cão, por exemplo, chegou ao rio Zaire e acreditou ter contornado a África, mas seu engano custou caro para sua reputação.











"Descoberta"
Não só por mar foi tentada a missão. Na verdade, o primeiro a chegar a Etiópia a mando de Portugal o fez por terra. Pero de Covilhã, que nunca regressou a Portugal, tendo vivido e casado na corte Etíope. Pouco depois, o contorno do Cabo e o périplo africano foram concluídos. Não demorou para a poderosa armada portuguesa adentrar o Mar Vermelho.
O que se encontrou, no entanto, foi algo muito mais similar a uma realidade do que a um sonho. Era um reino cercado de muçulmanos, que lutava com armas defasadas e a beira do colapso. Foi essa visão real que Francisco Álvares relatou na obra Verdadeira Informação das Terras do Preste João das Índias.

Por mais de uma vez, os lusos tiveram que auxiliar as forças cristãs etíopes. Quando pareceu haver controle da região, a inquisição passou a considerar a prática religiosa local como herética, o que culminou no rompimento da aliança.

É por conta da decepção, talvez, ou por que não foram os portugueses que formaram por último seu grande império ultramarino, que esse momento histórico tenha caído em certo desuso, reavivado apenas nas últimas décadas, quando as cruzadas, os templários e a idade média entraram em evidência popular, através de ficções e teorias conspirativas de internet.





Consequências
Os portugueses gastaram a fortuna herdada dos templários pela Ordem de Cristo na tentativa de formar a aliança que levaria à cruzada final, mas findaram por desperdiçar seu lastro econômico na tentativa de lutar em terras islâmicas. Ceuta, Tanger, Aden, Ormuz... investimentos que só serviram de sorvedouro de recursos. Mas esta é uma questão para outra postagem. Por enquanto fica a lenda desse preste rei, ora mongol, ora africano, descendente direto de Davi ou dos Reis Magos, quem saberá?.
Atenciosamente.



sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Piri Reis

Almirante do império Otomano. Ligado a diversas controvérsias a respeito de um mapa que cartografou nos idos de 1513. Especulações acerca de conhecimentos antigos perdidos e tecnologias alienígenas ou do futuro chegaram a ser associadas à carta náutica de sua autoria. Foi capturado e morto por portuguese em 1554.


Aqui se apresenta parte do mapa, que se encontra num palácio transformado em museu em Istambul. As esferas em meio ao Oceano Atlântico, das quais partem diversos raios em várias direções são típicas de um mapa do tipo Portulano, que se baseava nos ventos e em pontos de referência para navegação, utilizados quando não era possível a medida exata de Paralelos e Meridianos.

Teorias da Conspiração
A primeira curiosidade que podemos mencionar é a suposta precisão, principalmente no que tange às longitudes, de difícil mensuração com a tecnologia da época. Vejamos o motivo:
Para medir latitudes, as inclinações do Sol e das estrelas no decorrer do ano dão uma noção muito boa. No dia 21 de dezembro, por exemplo, o Sol passa exatamente acima do Trópico de Capricórnio. É o Verão no Hemisfério Sul.
Já para medir a Longitude, é necessária uma forma de medir distâncias e tempo de forma eficiente. Bem, para a distância, cordas com nós atiradas na água serviam (alguém ouviu falar em "nós" como medida de velocidade? Pois é), já para o tempo, só com a invenção do relógio de bolso em 1504 (ou 1500) é que surgiu a possibilidade de medir o tempo dentro de um navio. Relógios existiam, de alguma qualidade e até caberiam em uma nave, mas não funcionariam no balançar do Oceano. Lembrados de que uma novidade não se espalhava tão rapidamente como hoje, tenhamos noção de que os navegadores levaram tempo para usar o relógio portátil como auxiliar na medida da longitude. Desde então, a navegação e a cartografia se transformaram.

Enfim, esse é um dos motivos para dizerem que Piri Reis teria conhecimentos além de sua época (há inclusive afirmações de que o mapa só poderia ser idealizado por alguém que tivesse uma visão de um ponto muito alto, de onde se pudesse observar a Terra assim, algo ridiculamente ofensivo para quem sabe que o mapa mundi pouco mudou após a invenção do avião ou do satélite artificial). Ficou contraposto por McIntosh de forma muito convincente que a afirmação subestima a capacidade dos mapas de tipo Portulano, uma vez que foram comparados mapas dessa mesma época, realizados com a mesma técnica e de melhor precisão.

A segunda curiosidade, talvez a mais intrigante, é de que Piri Reis conheceria a Antártida, visível na parte inferior do mapa. Mas esse continente só foi descoberto oficialmente muito tempo depois. No século XVIII, James Cook chegou a navegar em volta do continente, mas não conseguiu um mapa da região, pois as condições do clima e os icebergs não permitiam aproximação suficiente.
Teorias inescrupulosas chegam a afirmar que um conhecimento antigo foi usado para fazer o mapa. Seria algo milenar, de antes de o continente ser dominado pelo gelo. Obviamente, a Antártida está em posição Glacial a tempo demais para algum homem tê-la visto sem sua cobertura branca. A idéia do conhecimento antigo surgiu do fato de ser mencionado que vários mapas antigos e contemporâneos seriam a base para a concepção de seu portulano, o que abriu as portas da imaginação de quem a tem em excesso.
No meu ver, é óbvio, mesmo para amadores como eu, que os traçados não passam de uma grande distorção da costa da América do Sul. Estudiosos associam a distorção a dois principais fatores: adaptação do mapa para que ele pudesse caber no formato do papel (chega a soar depreciativo, mas pode ser a verdade) e outra que o põe na posição de muitos outros mapas da mesma época, que ligam o continente americano à Ásia através de um continente incógnito no Sul, baseados em Ptolomeu (esse sim, uma das referências antigas de Piri Reis) que, na antiguidade, acreditava que o Oceano Índico era cercado por terra. Inclusive, só foram dissociadas a Austrália e a Nova Zelândia da Antártida após as viagens de Cook.
Mais uma vez, acredito que as teorias sobre o mapa são criações de mentes de grande imaginação e um toque de sensacionalismo.


O mapa de Ptolomeu Influenciou diversos cartógrafos a imaginar uma terra que selaria os mares setentrionais. Para muitos, parecia estranho haver tão pouca terra no Sul, se comparado ao Hemisfério Norte, outro motivo para o exagero no tamanho da Antártida.





Minhas Conclusões
O mapa de Piri Reis detém todos os acertos e erros que poderiam estar contidos num portulano confeccionado através de uma revisão bibliográfica dos materiais daquele momento histórico. Sua principal referência foi Colombo, que ele cita em suas inscrições e de quem tira a maioria das nomenclaturas. Em nenhum momento, o mapa deixa de ter importância histórica por ser o primeiro ou um dos primeiros a mostrar ligação terrestre entre Americas do Norte e do Sul e por mostrar que, já em 1513, havia conhecimento sobre o estuário do Prata, além de ser de autoria islâmica, exemplo de troca de conhecimentos entre Oriente e Ocidente, vista como tabu por quem vê a história como se conta na escola. Eu diria que, se os Otomanos tivessem sucesso na Batalha de Lepanto, o mapa figuraria como obrigatório em nossas apostilas escolares.
Atenciosamente.